Thursday, June 14, 2007
 
TWISM
BANDA SONORA
Todos que estejam relativamente atentos à nova música urbana portuguesa sabe que não é propriamente um foco que chame muito a atenção, não porque no underground não haja movimentação suficiente ou que experiências tenham dificuldade de chegar à superfície, mas sim porque a qualidade nem sempre estimula o melómano que procura a última novidade. Sabemos perfeitamente que o mercado no caso do hip-hip vive atulhado com produções anglo-saxónicas que em grande parte dos momentos vive um passo à frente de alguma mediania estética que surge um pouco pelo mundo. Com a personalidade vincada do hip-hop underground norte-americano ou britânico, os outros mercados procuram caracterizar-se com alguma cultura caseira capaz de criar vida ou movimentos próprios. Com naturalidade a pop assimila tudo o que a rodeia. É tudo uma questão de tempo até o que parecia ser uma experiência pontual no espaço generalizar-se e expandir-se para além do previsível.
Entre nós o hip-hop demorou a fazer-se sentir. No fim dos anos 80 e início de 90, Portugal era um país com dificuldade em aceitar novos géneros, tendências ou modas. Isolado e ofuscado com um cizentismo pop/rock, o hip-hop ou house eram termos desprezados. A “inquisição” cultural queimava novos géneros no soar das novas batidas, relegando para planos inferiores músicas que muitos nem isso consideravam. A produção nacional teimava em não arrancar. Casos esporadicos em meados de 90 davam a entender que algo mexia no círculo de quarentena. No caso do hip-hop tuga apenas meia dúzia sentiram-se capazes de dar um passo decisivo e tentar impor o hip-hop com género capaz de movimentar massas. Mas a evidente falta de interesse das majors condenou um Rapública a um evento pontual e sem consequência. Mas como a persistência de poucos era enorme, o hip-hop começou a crescer nas franjas do mercado não só como música em si, mas como um movimento cultural. Com a chegada do novo milénio, e com uma evidente abertura de mentalidades, o género começava a mostrar uma militância nascida de uma geração que teimava em mostrar a sua arte de sobrepor a poesia de rua com beats e samplers. Naturalmente que a tecnologia começava facilitar o processo.
Tudo demora o seu tempo. É certo. Por isso Portugal também tinha os seus talentos prontos a impor a suas ideias. O crescente interesse, não só de produtores e MC’s, mas também de um público curioso com um hip-hop falado em português, abria portas a uma lenta massificação. Os produtores uniam-se, colaboravam mutuamente, editoras eram criadas, sites específicos eram gerados e fóruns de discussão permitiam o diálogo. Nomes como Sam the Kid, Bullet, Chullage, Micro, Valete, Mars D ou editoras como a Loop Recordings surgiam cada vez mais como referências do nosso hip-hop. As edições começavam a ser frequentes.
O ano de 2006 talvez tenha sido um dos mais importantes e decisivos para o género. Depois de Rocky Marciano afirmar-se em 2005 (como Sam The Kid em 2001 com Beats Vol I: Amor) com uma linguagem essencialemnte instrumental, era obvio que o vocabulário teria de ser refinado de modo a dar espaço à verve melódica. Conscientes desse elemento de equilíbrio, Sir Scratch, Sam The Kid e Twism trabalharam metodicamente e elevaram a fasquia da produção.
No caso de Twism e a sua Banda Sonora editada em Abril de 2006, e agora reeditada, as semelhanças na distribuição da palavra pela música obriga-nos a encaixar o álbum de estreia do algarvio no mesmo pelotão que Scratch e Sam, não que haja semelhanças que force alguém a incluir tudo no mesmo saco, apenas pontos de contacto numa doutrina, elementos onde o equilíbrio entre a expressão verbal e musical não sofre atropelos e a linguagem flúi com naturalidade. Nesse ponto deve-se reconhecer também o mérito do ex-membro dos Mitos Urbanos. É revelador como uma determinada geração aprendeu com a idade a manobrar ou desafiar uma arte aprendida na rua, onde expor as suas ideias sobre o mundo que os rodeia é um imperativo imposto pela alma, onde a música construída essencialmente por fragmentos samplados é o correio distribuidor da locução. A palavra e o beat estão lá, como se espera, prontos a transportarem-se mutuamente, comungando a maturidade do seu autor, atingindo um fim. Fim esse que pode não reinventar o género, concorrer com o eixo anglo-saxónico, nem ter o sucesso dos gurus, mas só o facto da palavra portuguesa escorrer por frases espontaneamente lógicas e sons inteligentemente erguidos, já faz deste disco um marco para a própria música portuguesa, que um dia considerá preocupar-se em conquistar o além. Para já, para consumo interno está aprovado.
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V/A - JAZZANOVA
BELLE ET FOU

Do espectáculo Belle Et Fou pouco haverá para dizer senão que se trata de um evento cultural em Berlim da responsabilidade de Hans-Peter Wodarz e Arthur Castro - que desafiaram os Jazzanova a escrever a banda-sonora - que junta teatro e dança no mesmo palco. Agora do projecto alemão poucos poderão alegar desconhecimento ou ignorar o seu contributo para a música de à 10 anos para cá. Nascidos em plena ebulição pós-tecno e procurando recuperar o espírito libertino do jazz ou os sentimentos genuínos de uma soul classicista em busca da modernidade, o colectivo conta no seu curriculum com uma mão cheia de remisturas e originais que lhes valeram reconhecimento à escala planetária.
Nunca tiveram problemas de chamar a si o que era dos outros seja no escalão da imaginação recreativa ao apoderarem-se, com uma lucidez invulgar, dos originais alheios, transformando-os, brilhantemente descaracterizando-os e incorporando depois na sua música pequenas partículas sobreviventes da obra inicial ou simplesmente abraçarem convenientemente as suas influências musicais para depois incorporarem a agudeza de espírito dos mestres na sua própria matriz. Tudo tarefas difíceis que poucos conseguirão dominar com agilidade e sabedoria. Mas também o talento não foi distribuído pela humanidade de forma igual.
Remixes 1997-2000 foi, e ainda o é, um perfeito exemplo – antagónico dirão muitos – de como recriar é substancialmente diferente de remisturar. Certo é que granjearam o respeito de todos que tomaram por lição uma verdade, agora paradigmática, de que é possível imprimir uma marca de autor sobre matéria-prima de estranhos. Mas os Jazzanova provaram por varias vezes que nem só das remisturas fazem o seu sustento. Com uma carreira de 10 anos, e mais remisturas que peças próprias, os seis criativos berlinenses contam apenas com um álbum de originais na sua discografia. Também sempre confessaram que trabalhar a matéria particular era um desafio mais complexo do que a apropriação e transformação de ideias de outros. Talvez por isso mesmo In Between de 2002 seja até agora a única prova dada da sua capacidade de erguer um quadro próprio. Tudo o resto não passam de experiências pontuais. E Belle Et Fou é mais uma prova.
Belle Et Fou enquanto compilação de temas de fundo de catalogo não trás nada de novo senão o ecletismo das escolhas – recorda-se, entre outros, a bricolage de Forss em “Flickermood” ou o calor pop/soul de “Just A Lil Lovin” dos Outlines. Agora como antologia/banda-sonora de originais Jazzanova não deixará de ser pertinente referir que o que por aqui se ouve sabe a pouco. O ecletismo mantém-se tal como a produção imaculada e enquanto a programação vai sendo substituida por uma sonoridade cada vez mais orgânica, também o lado mais aventureiro vai se desvanecendo na obcessão dos gostos pessoais dos seus autores. Entre o divergir da componente mais jazz do projecto e a convergência para uma orientação soul blaxploitation intimista – “Rendez Vous” com um Capitol A possuído pelo espírito de Barry White –, um disco eloquentemente orquestrado – “Theme From Belle Et Fou (Bows)” – ou a incursão pela pop/folk melancólica – “The Sirens Call” –, tudo leva-nos a querer que os Jazzanova estão completamente disponíveis a uma abertura a novos léxicos e dispostos a correr riscos em busca de um novo mirante. Apenas o novo álbum confirmará as curtas incursões que aqui ouvimos e tomaremos por certas as mutações na estética sonora do colectivo. Até lá, este espectáculo terá de satisfazer.

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V/A - JAZZANOVA
BELLE ET FOU

Do espectáculo Belle Et Fou pouco haverá para dizer senão que se trata de um evento cultural em Berlim da responsabilidade de Hans-Peter Wodarz e Arthur Castro - que desafiaram os Jazzanova a escrever a banda-sonora - que junta teatro e dança no mesmo palco. Agora do projecto alemão poucos poderão alegar desconhecimento ou ignorar o seu contributo para a música de à 10 anos para cá. Nascidos em plena ebulição pós-tecno e procurando recuperar o espírito libertino do jazz ou os sentimentos genuínos de uma soul classicista em busca da modernidade, o colectivo conta no seu curriculum com uma mão cheia de remisturas e originais que lhes valeram reconhecimento à escala planetária.
Nunca tiveram problemas de chamar a si o que era dos outros seja no escalão da imaginação recreativa ao apoderarem-se, com uma lucidez invulgar, dos originais alheios, transformando-os, brilhantemente descaracterizando-os e incorporando depois na sua música pequenas partículas sobreviventes da obra inicial ou simplesmente abraçarem convenientemente as suas influências musicais para depois incorporarem a agudeza de espírito dos mestres na sua própria matriz. Tudo tarefas difíceis que poucos conseguirão dominar com agilidade e sabedoria. Mas também o talento não foi distribuído pela humanidade de forma igual.
Remixes 1997-2000 foi, e ainda o é, um perfeito exemplo – antagónico dirão muitos – de como recriar é substancialmente diferente de remisturar. Certo é que granjearam o respeito de todos que tomaram por lição uma verdade, agora paradigmática, de que é possível imprimir uma marca de autor sobre matéria-prima de estranhos. Mas os Jazzanova provaram por varias vezes que nem só das remisturas fazem o seu sustento. Com uma carreira de 10 anos, e mais remisturas que peças próprias, os seis criativos berlinenses contam apenas com um álbum de originais na sua discografia. Também sempre confessaram que trabalhar a matéria particular era um desafio mais complexo do que a apropriação e transformação de ideias de outros. Talvez por isso mesmo In Between de 2002 seja até agora a única prova dada da sua capacidade de erguer um quadro próprio. Tudo o resto não passam de experiências pontuais. E Belle Et Fou é mais uma prova.
Belle Et Fou enquanto compilação de temas de fundo de catalogo não trás nada de novo senão o ecletismo das escolhas – recorda-se, entre outros, a bricolage de Forss em “Flickermood” ou o calor pop/soul de “Just A Lil Lovin” dos Outlines. Agora como antologia/banda-sonora de originais Jazzanova não deixará de ser pertinente referir que o que por aqui se ouve sabe a pouco. O ecletismo mantém-se tal como a produção imaculada e enquanto a programação vai sendo substituida por uma sonoridade cada vez mais orgânica, também o lado mais aventureiro vai se desvanecendo na obcessão dos gostos pessoais dos seus autores. Entre o divergir da componente mais jazz do projecto e a convergência para uma orientação soul blaxploitation intimista – “Rendez Vous” com um Capitol A possuído pelo espírito de Barry White –, um disco eloquentemente orquestrado – “Theme From Belle Et Fou (Bows)” – ou a incursão pela pop/folk melancólica – “The Sirens Call” –, tudo leva-nos a querer que os Jazzanova estão completamente disponíveis a uma abertura a novos léxicos e dispostos a correr riscos em busca de um novo mirante. Apenas o novo álbum confirmará as curtas incursões que aqui ouvimos e tomaremos por certas as mutações na estética sonora do colectivo. Até lá, este espectáculo terá de satisfazer.

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4HERO
PLAY WITH THE CHANGES
Não se tem obrigatoriamente de inventar algo novo a cada disco. Nem convém insistir nessa ideia quando o génio para aí não está voltado. Muitas vezes uma paragem forçada e algum tempo de silêncio é solução ideal para que a imaginação retome a sua actividade plena e a inspiração surja com espontaneidade. Foi o que se passou com os 4Hero que desde Creating Patterns de 2001 assumiram uma postura discreta enquanto colectivo optando em alternativa por um trabalho individual sério e comprometido com propósitos pessoais, muitas vezes pouco visíveis, mas mesmo assim relevantes como foi o caso do excelente projecto Visioneers de Marc Mac em 2006.
É inegável que a alma tem diversas formas e diversos estados. Mas se há quem ainda duvide, Dennis ‘Dego’ McFarlane e Mark Mac Clair têm a certeza ao ponto de se terem dedicado à causa soul a tempo inteiro – juntos ou individualmente – e decidido espalhar pelo mundo uma visão muito particular do que a verdade interior deve ser quando transposta para a música. Não se estranhe por isso a sua persistência na ideia já antes explorada. Não que não haja mais nada a acrescentar a sua identidade estética mas quando por vezes não se avizinha nada que rompa substancialmente com a matriz elaborada, então a solução é continuar a desbravar os velhos mistérios.
Quando um projecto com uma identidade tão própria como os 4Hero decide elaborar mais um episódio, a obra não deverá ser encarada como mais uma prova ao mundo de superioridade formal do projecto. Muito menos deve-se por em causa um talento que, desde Two Pages, já confirmou que arte e engenho na produção são aliados perfeitos na transposição de velhas memórias da matriz afro-americana para o presente. A diferença entre este disco e os anteriores é que este conforta-nos o espírito com pequenas mutações em vez da tentativa de invenção de um novo paradigma. Na verdade acaba por acrescentar o que talvez tenha faltado em Creating Patterns. Não que este estivesse incompleto mas o espaço deixado em aberto estava ainda longe de preenchido e talvez distante do inicialmente previsto – talvez por isso tenha passado despercebido a muitos. Play With The Changes revela agora uns 4Hero não com falta de inspiração mas sim com um sentido de dever definido, íntegros, pouco susceptíveis a estímulos da moda e possuidores de uma maturidade sonora pouco usual.
Longe do frenesim drum n’ bass de Parallel Universe (1994), a linguagem refinada dos 4Hero integra hoje uma série tipologias e referências que vão desde um broken-beat eloquente – do qual, como no caso do drum n’ bass, foram pioneiros – à soul clássica de Philly, do spoken word – onde a já habitual Ursula Rucker volta a brilhar – ao espírito libertino do jazz e da programação breakbeat modernista às memorias ancestrais do r&b. Play With Changes volta a ser um caldeirão onde todos os majestosos ingredientes – e já agora dos convidados como Jody Watley, Face ou J Davey – têm o seu valor intrínseco na construção de alguma da melhor neo-soul dos nossos dias, provando-se assim que nem sempre é necessário ser-se precursor a cada novo disco. Desde que a alma esteja alinhada com a inspiração e a agudeza criativa centrada na memória a inventividade também pode ocasionalmente marcar passo sem que algum mal venha ao mundo.


RAPIDINHAS...

JAMES HOLDEN
IDIOTS ARE WINNING
Estreou-se em 1999 com o maxi “Horizons / Pacific". Tinha 19 anos e logo na altura foi considerado um prodígio. Seguiram-se uma mão cheia de originais, remisturas, álbuns de mistura, colaborações. Chegou mesmo criar a sua própria editora: a Border Community. Etiqueta onde soam agora nomes como The MFA ou Nathen Fake. Entre a robustez fria do techno minimal e uma house progressiva e distorcida, James Holden cedo aprendeu as técnicas que melhor traduziriam a sua forma de ver o universo da música de dança electrónica. Os EP´s foram consensuais na abordagem transversal das tipologias de Detroit e Chicago, na construção melódica abstracta em colisão com os impulsos nervosos de uma electrónica em ponto de ebulição. Tudo características que se mantêm num disco de estreia curiosamente ambíguo.
«Idiots Are Winning» é James Holden. Disso não há dúvidas. O seu estilo está lá, único, abstracto, mas agora com alguns desvios que levantam dúvidas sobre o propósito da operação. O mercado está cheio de elogios à idiotice mas Holden também não consegue inverter isso de forma retumbante através das suas experiências. Há momentos de soberba clarividência e de apurado gosto pela "ciência" da programação ("Lump" ou "10101") mas também nos apercebemos de momentos de redundância estética, de ideias perdidas - senão mesmo díscolas - ou até por completar ("Idiot Clapsolo" ou "Quiet Drumming"). Não é uma estreia em longo formato decepcionante, mas esperava-se um pouco mais de quem sabe.


LUOMO
PAPER TIGERS
Vladislav Delay ou Uusitalo são nomes possíveis para um só homem: Sasu Ripatti. O produtor finlandês que além dos projectos paralelos – com diversos alter-egos – talvez seja mais conhecido das massas por Luomo. Nome que em 2000 saltou para a primeira linha da electrónica com «Vocalcity», uma miscelânea house/electro-pop, despida e reduzida ao essencial onde os bleeps frios da electrónica sobrepostos por melodias quentes e etéreas tingiam o amor com beleza sedutora e espontânea. Desde logo houve, como é habitual quando algo de novo vem ao mundo, quem decidisse chamar de micro-house à sonoridade única do registo. Diga-se que não era para menos. Luomo (o mesmo passando-se com outros projectos seus) encantou e habituou-nos ao seu estilo de produção minimalista, cuidada e pensada. Mesmo quando os desalinhamentos sonoros pareciam sugerir erraticidade ou os longos minutos indicar falta de melhores propostas para preenchimento do tempo e do espaço, as ideias defenidas e as certezas do caminho traçado estavam lá para quem quisesse apreciar.
Sasu Ripatti é normalmente original, pragmático, trabalhador e, no essencial, um estudioso das novas linguagens da electrónica, mas também tem os seus dias menos inspirados, como parece o caso do terceiro álbum de originais: «Paper Tigers». Diga-se que depois de The Present Lover pouco mais haveria para acrescentar à sonoridade do registo de estreia, mas a forma como Luomo nos voltava em 2003 a embalar a alma, encantava e seduzia relegando para outra oportunidade a pertinência da sua música. Mas à terceira torna-se difícil ignorar a forma um tanto repetitiva de esquematizar cada quadro sonoro. "Let You Know" e "Good To Be With" ou “Cowgirl” chegam mesmo a desiludir e a aborrecer quem tinha esperanças de encontrar alguma mensagem nova. A voz de Johanna Ilvanainen ou de Antye Greie (aka AGF) cumprem a sua função ao atribuírem o encanto habitual aos beats, clicks, bleeps da produção maquinal e fria de Luomo. Mas nada de substancial ou pertinente desce á terra com a chegada de «Paper Tigers». Talvez o excesso de confiança na programação tenha sido o principal problema, pelo menos no caso deste disco.


Owusu & Hannibal
Living With... Owusu & Hannibal
Será caso para dizer que da confusão também nasce a ordem. O desmazelo e desordem sugerido pelas imagens da capa pode indicar um ambiente caótico propício à criação e onde o estímulo musical se sobrepõe ao conservantismo de uma casa arrumada. Mas se da desordem nasce um sentido renque e lúdico capaz de mover parte do mundo também será presunção assumir que daí resulte a ordem interior em vez da exterior. Será o caso desta dupla dinamarquesa ao preferir uma música composta de especulações soul/pop em torno da verdade que apenas poderá ser gerada por gente consciente da sua própria realidade - independentemente da possível falta de correnteza que nos envolve o quotidiano. Talvez isso explique uma capa que, longe da beleza da maioria dos temas, coloca os intervenientes num cenário exterior falso e desmazelado, obrigando o ouvinte a descobrir as pequenas maravilhas do interior.
Não se trata de nenhuma verdadeira novidade. Nem daqui resultará a erecção de novos paradigmas. Mas uma vez mais a resolução determinada da produção, a observação atenta da actualidade e a análise criteriosa do passado poderão ser factores capazes de gerar beleza espontânea. E se de um Michael Jackson ou Shuggie Otis ainda é possível extrair a sabedoria que outrora iluminou mentes em busca da perfeição estética, com alguns exemplos actuais também é possível adquirir conhecimentos suficientes para construção de um som em busca da modernidade. Ou seja, por aqui não só pairam as almas inspiradas de Jacko – talvez em busca da redenção –, de um Shuggie ou de Steve Wonder, como também co-habitam vozes que nos fascinam o presente como Joseph Malik ou Steve Spacek.
Terminadas as escutas concluímos que os momentos partilhados com Philip Owusu e Robin Hannibal não terão motivos de exagerado entusiasmo. No entanto a forma como dois mundos acabam por se cruzar e reverenciarem-se torna a escuta não tanto numa busca de novas fronteiras - para uma soul em terrenos pop - mas sim um muito agradável momento onde o coração, sério ou embuido em cepticismo amoroso, conduz a operação para além da razão. Só assim a própria audição acaba por fazer o sentido merecido. Porque se abdicarmos da emoção e o lado analítico prevalecer, haverá momentos em que o curto espaço que por vezes separa a soul e o r&b de um exotismo pop duvidoso poderia deitar tudo a perder. Sendo assim será perfectível recordarmos a falsa imagem desleixada que envolve os protagonistas e imaginar a ordem interior que, curiosa com alguma espiritualidade, espera encontrar a luz que caminhe a razão para um novo nível. E enquanto não se inventar nada de substancialmente novo, teremos de nos satisfazer com esta perspectiva.


V/A - MARY ANNE HOBBS presents
WARRIOR DUBZ
É inegável que um bom programa de rádio pode ser um trampolim para o firmamento do reconhecimento. E na BBC já existem alguns exemplos como o de Gilles Peterson que, depois da aceitação como DJ em pequenos cantos e rádios piratas, tornou-se num guru das ondas hertzianas da Radio One e um dos mais influentes divulgadores das novas músicas urbanas inspiradas pelo Jazz ou pela soul - não se ignorando naturalmente todo o trabalho numa das mais importantes e estimulantes plataformas editoriais dos anos 90: a Talking Loud. Mas existem outros casos, menos visíveis mas mesmo assim presentes, como Annie Nightingale, Rob Da Bank, Trevor Nelson e agora Mary Anne Hobbs. Todos eles, com programas e horários mais ou menos acessiveis, têm-se revelado, cada um na sua área, divulgadores por excelência da nova música urbana.
Das ondas às compilações vai um curto espaço. Se o reconhecimento do ecletismo for evidente, não haverá editora que não queira editar uma colectânea. Gilles que o diga. É certo que muitas vezes basta ter um programa de rádio com boas audiências mas também é certo que algumas colectâneas só resultam se o esforço empreendido na cabine for transposto para a selecção do alinhamento da antologia. Ou seja sem uma selecção criteriosa, um alinhamento competente e uma ideia que sustente toda a aventura, tudo não passará de mais uma farsa geradora de cifrões.
Não será o caso de Warrior Dubz compilado por Mary Anne Hobbs, que a par de algumas colectâneas do colega Gilles, pretende essencialmente divulgar música que, não fosse essa a metodologia, já mais estaria ao dispor do grande público. Preciosidades editadas em vinil e apreciadas essencialmente por DJ - divulgadores e implementadores de modas e manias - e poucos mais.
Mary Anne Hobbs, semanalmente nas madrugadas de sexta-feira na BBC Rádio One, debruça-se de forma coerente sobre as mais recentes aventuras sonoras do underground, não só britânico, mas a nível global. O lema do programas é the Rádio One experimental show. Portanto é inegável o destaque a alguma música experimentalista e descomprometida da actualidade. Géneros recentes como o dubstep ou o grime ganharam protagonismo de um dia para o outro muito graças a especiais de duas horas. Mas também o drum n’ bass, o hip-hop e o tecno de cariz experimental têm tido a sua cota no preenchimento do espaço rádiofonico, revelando-se ainda assim nomes criativamente activos.
Para alguns um Skream, um Kode 9 ou um Burial - aqui com um exclusivo - já não serão novidade, mas nomes como Andy Stott (num portentoso momento tecno), Amit (com um drum n’ bass claustrofóbico, persistente e soturno), a agressividade de Spor ou de Terror Danjah – nomes completamente desconhecidos do grande público – estariam condenados a um eterno anonimato. Mary Anne, imiscuindo os seus gostos pessoais com a linha editorial do programa, proporciona-nos um raro, interessante e fiel retrato do actual panaorama underground contaminado pelo dub. Um submundo estranho, violento, alienígena e narcótico que muitas das vezes é a porta para onde convergem mentes em busca de criatividade sincera ou de redenção espiritual.
Verdade seja dita que Warrior Dubz não será a derradeira ou suprema colecção de temas underground, mas é sem dúvida um evidente manifesto de empenhamento na divulgação de alguns nomes e movimentos. Do tecno fantasmagórico (Andy Scott) à violência grime (Virus Syndicate), do dubstep alucinado (Loefah) ao dancehall impulsivo (The Bug), do drum n´bass paranóico (Amit) ao hip-hop desfigurado (JME), a recolha e o alinhamento mostram-se competentes e a antologia pronta a admitir que ainda existe muita vida nas franjas do mercado mainstream. E isso é salutar e imprescindível para que não se desista da boa música de dança que ainda se vai fazendo em caves escuras um pouco pelo mundo.


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ZERO DB
BONGOS, BLEEPS & BASSLINES
Há surpresas boas. Há surpresas más. E depois há aquelas em que ficamos indiferentes. Depois de um início muito promissor, os Zero dB chegam finalmente a 2006 com o muito aguardado – que poucos acreditariam ser possível – álbum de estreia. Não há dúvidas de que era um dos mais envoltos em curiosidade. O maxi editado no início do verão – ´Bongos, Bleeps & Basslines" – deixava antever uma sonoridade house suja, claustrofobica, contaminada por um jazz samplado e robusto que, apesar de recordar algumas das experiências iniciais – ‘The Snare’ ou ‘Click’ – davam a entender uma certa renovação depois quatro anos e meio de abstinência na produção de originais.

Depois dos primeiros temas em 2000 e 2001, editados pela editora gerida pela dupla, Neil Combstock e Chris Vogado dedicaram-se com alguma naturalidade á remistura, tendo aí angariado mais alguns adeptos á causa nu-jazz. Tudo culminou num único momento: Reconstruction. O título era óbvio no que diz respeito ao conteúdo. Tratava-se da antologia que reunia as remisturas efectuadas pela dupla. Por lá surgiam novas versões de temas de Truby Trio, Peace Orchestra ou Interfearance. A ideia de elaborar um álbum em nome próprio já pairava no ar mas o súbito desaparecimento da dupla e o desacelaramento das edições da Fluid Once sugeriam o desvanecimento dessa ideia. Até que os Zero dB caíram no esquecimento.

Talvez o álbum de estreia não peque só pela inconsequência dos originais mas também pela falta de algum entusiasmo na procura de novo porto de atracação. Mesmo sendo a edição de Bongos, Bleeps & Basslines da responsabilidade da muito reputada Ninja Tune, a sensação de que o regresso da dupla à mesma sonoridade dos poucos originais e remisturas do início da década, deixou cair por terra a pouca curiosidade em torno do disco. Não que seja um mau disco, apenas um disco que se ouve e dele nada se extrai de verdadeiramente substancial.

Poderia esperar-se momentos de alguma luminosidade ou alguma agudeza de espírito, mas nada mais nos espera em Bongos, Bleeps & Basslines senão a típica fórmula nu-jazz: latin, samba, house, hip-hop. Muitos poderão sublinhar a rudeza dos novos temas. Mas isso não chega para camuflar o evidente atrofio criativo que caracteriza todo o alinhamento. Uma vez mais os Zero db alargaram o leque às tipologias familiares e, querendo fazer muito em pouco espaço, acabam por deixar algumas ideias a meio. Todos os temas possuem o potencial e todos revelam descaradamente a pouca dedicação que tiveram na fase final de produção. Tirando ‘Bongos, Bleeps & Basslines’, ‘Conga Madness’ ou ‘On The One & Three’, poucas são as peças que revelam determinação estrutural ou essência para romper com o passado ou mesmo com as fórmulas nu-jazz dos nossos dias. Nem a electrónica mais aguerrida ou os baixos mais ousados despertam verdadeiramente a pista de dança deste sono jazz pseudo-modernista. Mais um disco inconsequente.

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LINDSTROM
It's A Feedelity Affair
Ocasionalmente surgem personagens que nos renovam o gosto pela descoberta da música. Entidades com dom e clarividência suficiente para nos despertar a alma para o que ciclicamente vai desaparecendo: a luz e a verdade interior. Aquela força que nos provoca, que nos instiga e nos obriga a escutar a mensagem seja ela qual for, mesmo que fiquemos indiferentes à sua proveniência ou nomenclatura. Lindstrom parece ser uma dessas personagens. A sua obsessão pelo disco elevou o seu nome a um quase estatuto de culto. Quando se fala de novas linguagens disco-sound, agora apelidado de nu-disco, fala-se de Hans-Peter Lindstrom ou de Prins Thomas. De Oslo para o mundo, as fantasias espaciais em tom épico de Lindstrom reflectem os mesmos ensejos que, por exemplo, os Faze Action demonstraram a quando da edição de Plans & Designs: a dignificação do disco-sound. Essencialmente provar que a história cometeu um erro ao permitir que uma determinada geração atirasse o género para a fogueira inquisitória ou que se criassem estereótipos e ideias preconcebidas. Os estereótipos podem ainda hoje em dia existir, mas não com esta música.
Por aqui sopram ventos libertadores, procuram-se escapes á história e fugas á realidade. Já à um ano isso fora provado com a edição do álbum Lindstrom & Prins Thomas. Talvez por isso mesmo esta antologia, que agora vira álbum de estreia, não reserve a mesma surpresa que o álbum da dupla norueguesa editado á um ano, composto todo ele por originais. E é natural que assim seja. Para todos os efeitos a novidade desapareceu quando todos estes temas foram editados e ouvidos pela primeira vez. O facto de Lindstrom reunir temas seus editados de forma dispersa ao longo dos últimos anos também não será um motivo para correr de imediato á loja. Mas para quem tomou contacto com o produtor á um ano atrás, e nunca tenha tido possibilidade de coleccionar os EP’s, achará aqui motivos de júbilo ricos em lantejoulas e prazeres em gravidade zero.
A colecção, agora toda ela reunida num único disco, permite também uma avaliação directa e incisiva na forma singular como Lindstrom pensa a sua música e posteriormente maneja a arte da composição. Não estamos perante máquinas em piloto automático, antes pelo contrário. Em It's A Feedelity Affair as composições são complexas, recheadas de pequenos delírios e, apesar da formalidade como os temas se apresentam, há espaço aberto para improvisações e muita experimentação. Respira-se liberdade com momentos de pura desenvoltura estética
. A arte sonora, eloquente, quase num barroquismo, evidência um carácter de positiva superioridade que convence de imediato qualquer céptico. Convence pela produção, convence pela seriedade, convence pela marca de autor e convence naturalmente pela envergadura e qualidade sonora retro que Lindstrom imprime nas suas peças. Ele é um dos poucos magos que consegue de forma pragmática convencer-nos das suas ideias de liberdade e pelo processo provar que o disco, seja em que tom for, ainda se apresenta convenientemente vestido: moderno, eloquente e com essência suficiente para proporcionar prazer em dias de chuva.
 
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    "Em geral, sempre que há¡ algo melhor, há também algo óptimo. Mas, dado que entre as coisas que existem, uma é melhor que outra, há também uma coisa óptima, e esta seria a divina. "
    Aristótles


    "De todas as artes que conseguem crescer no solo de uma dada cultura, a música é a última das plantas a germinar, talvez porque é a mais interiorizada, e, por conseguinte, aquela cuja época vem mais tarde é o Outono e a desfloração dessa cultura. A alma da Idade Média cristã encontrou a sua expressão mais acabada na arte dos mestres holandeses: a arquitectura musical por eles elaborada é a irmã póstuma, não obstante legí­tima e igual em direitos, da arte gótica. Foi na música de Haendel que tomou forma musical aquilo que de melhor havia na alma de Lutero e dos seus, esse acento judaico-hebráico que deu á Reforma um certo ar de grandeza: o Antigo Testamento faz música, o novo não. Mozart, o primeiro, restituiu em metal soante todas as aquisições do século de Luí­s XIV e a arte de um Racine e de um Claude Lorrain. Há na música de Beethoven e de Rossini que a melodiosamente respira o século de XVIII, o século do devaneio, do ideal destruído, da fugaz felicidade. Toda a verdadeira música, toda a música original, é um canto do cisne. Talvez a nossa música moderna, seja qual for o seu império, e a sua tirania, tenha diante de si apenas um curto espaço de tempo, porque surgiu de uma cultura cujo solo minado rapidamente se afunda, de uma cultura que em breve será¡ absorvida."
    Friedrich Nietzsche In Nietzsche Contra Wagner.


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